Biblioteca Eng.º Guedes Rodrigues
Lote 4:
AMADOR ARRAIS (Fr.)
DIALOGOS de Dom Frei Amador Arraiz Bispo de Portalegre. Em Coimbra: Em casa de Antonio de Mariz, Impressor, 1589.
[ ]2, A-Z, Aa-Zz, Aaa-Zzz, Aaaa-Gggg4, Hhhh3; [2], 307, [1] ff.; 205 mm. Encadernação inteira de pele não contemporânea, um pouco cansada; manchado; ligeiramente aparado; corte das folhas pintado.
Fr. Amador Arrais (1530?-1600) doutorou-se em Teologia na Universidade de Coimbra, e professou em 31 de Janeiro de 1546 na Ordem dos Carmelitas calçados onde ingressara como noviço um ano antes. Orador sagrado de elevada eloquência, foi nomeado pregador régio por D. Sebastião. Coadjutor do Cardeal D. Henrique foi, mais tarde, nomeado por este bispo de Tripoli “in partibus infidelium”. O Cardeal, ao subir ao trono, nomeou-o seu esmoler-mor, tendo sido eleito por Filipe II bispo de Portalegre em 1581, cargo que exerceu durante 15 anos. A diocese, ainda em fase de organização e assolada pela peste, atravessava um período de grande dificuldade, exigindo-lhe um esforço hercúleo de reorganização. Convocou dois sínodos diocesanos, elaborou constituições que não chegou a publicar, enriqueceu a Sé de ornamentos e obras de grande valor artístico. Do seu pecúlio particular contribuiu enormemente para o resgate dos prisioneiros de Quibir, não o poupando, no entanto, a censuras motivadas pelo contributo que deu para a organização e financiamento da Invencível Armada, não o poupou também a graves pendências com o cabido, nem o isentou da acusação de recorrer às rendas da diocese para proteger familiares e para edifica a igraja do Colégio do Carmo em Coimbra, acusações que o levaram a resignar em 1596, recolhendo-se no seu colégio em Coimbra onde viria a falecer quatro anos depois.
Estes Diálogos, publicados pela primeira vez nesta data de 1589 e reimpressos ainda com revisões do autor em 1604, começaram a ser escritos ainda por seu irmão D. Jerónimo Arrais em língua latina, tendo sido continuados e traduzidos por Fr. Amador Arrais. Não conseguimos hoje determinar com exactidão onde acaba o trabalho de um e de outro, mas coube a Amador Arrais o melhor que a obra tem, tanto no conteúdo como na forma. Como fontes para a obra teve, em primeiro lugar Fr. Amador Arrais, os clássicos- Filósofos como Aristóteles, Platão, Cícero ou Séneca, poetas como Homero ou Ovídio, dramaturgos como Plauto e Terêncio, naturalistas como Plínio, historiadores como Tito Lívio, etc. A Sagrada Escritura está constatemente presente, sendo logo seguidos pelos Padres da Igreja, com particular destaque para S. Agostinho, S. Jerónimo e S. João Crisóstomo. Encontramos como influências mais seus contemporâneos Petrarca, Lorenzo Valla, Erasmo, Damião de Góis, João de Barros, Jerónimo Osório, André de Resende, Garcia de Orta e, com frequência deveras surpreendente, numerosas estâncias de Os Lusíadas, por vezes transcritas integralmente. É desta síntese, fundindo todos os seus componentes com a sua provada experiência de vida e sincera vivência de fé, que Fr. Amador Arrais constrói a sua mentalidade, condebendo-a como uma “humanitas christiana” destinada à formação de uma sociedade cujos membros configurassem no mundo uma imagem tanto quanto possível perfeita da “civitas Dei”. Neste tom desenvolvem-se os 10 Diálogos entre Antíoco (personificação do próprio autor), que se encontra doente, e vários outros interlocutores, pertencentes a diversificadas classes e profissões, debatendo, numa perspectiva de sólida ortodoxia cristão e claro sentido de humanismo, alguns dos mais candentes problemas e sentimentos que agitavam a sociedade portuguesa do século XVI. Acresce a este interesse pelo conteúdo da obra, a sua prosa que, de excelente estrutura sintáctica, desenvolve-se com equilíbrio e clareza, suave ductilidade e aliciante ritmo, fazendo da sua obra uma das expressões mais perfeitas da prosa portuguesa do seu tempo.
Não referenciado em Samodães, Importante Biblioteca Particular, Auvermann, Bibliografia Geral de Manuel dos Santos. Biblios, I, p. 399, GEPB, 3, p. 326, D. Manuel, III, 212, Inoc, I, p. 52
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